segunda-feira, 6 de junho de 2011

A D.,

Fragmentar sentimento, os bons atores fazem com maestria.  Pensava nisso, veja só, no instante em que me foi entregue seu envelope. H. tinha razão.
Sou recém chegado à zona-da-mata. O progresso mal chegou e já o vejo decadente. As novas tubulações estão sendo postas, levará água aonde antes tinha de sobra. A miséria aqui é coisa de primeiríssimo mundo, luxuosa, e se faz economia em vista das torneiras a serem possuídas. Os canos também. O quarto e a casa são acolhedores.
Com o fechamento do engenho o vilarejo anda manco, mas come-se muito bem.

"E as risadas feriam o ar, os gritos, o coco pegara logo animadíssimo, aquela gente dançava, sapateava na noite, alegríssima, o coro ganhava amplidão no entusiasmo, as estrelas rutilavam quase sonoras, o ar morno era quase sensual, tecido de cheiros profundos. E era estranhíssimo. Tudo cantava, Cristo nascia em Belém, se namorava, se ria, se dançava, a noite boa, o tempo farto, o ano bom de inverno, vibrava uma alegria enorme, uma alegria sonora, mas em que havia um quê de intensamente triste. E um solista espevitado, com uma voz lancinante, própria de aboiador, fuzilava sozinho, dilacerando o coro, vencendo os ares, dominando a noite:
Vô m'imbora, vô m'imbora
P'a Paraíba do norte!...
E o coro, em sua humanidade mais serena:
Olê, rosera,
Murchaste a rosa!..."
Quase acredito em Mário de Andrade.

Agora segue um conselho: Ande mais, em idades idas o que fazes te faria bem! Agora...
As pessoas em Tiúma são felizes,
J.

para J:

"Cá posei olhos..."
Ando pouco.Há coisas a cair
"... em palavras ..." 
de madrugada.Ando pouco.Certo que escutei.Se fosse aí diríamos Chuva , mas aqui não por favor.

Dos quartos contíguos cheiro de álcool e suor.Os dias começam antes do que eu posso.Sobre R. Piglia encontrei dois "Nombre falso" e "Ciudad ausente" ,mas , depois de cinco centenas de dias com Seu Luís,Trajanos,Julião,Moisés,Marina "...julgo que ainda não me restabeleci...".

Tudo parece fragmentado e não sei o quanto tempo vai durar. "Estou só, só como ninguém ainda estêve, Ôco dentro de mim, sem depois nem antes."

Andei um pouco hoje e  não sei se posso escrever.Conseguir seria o verbo.

De madrugada li e  pensei em haikai como resposta , mas em um dos quartos um velho recitava Caeiro.Pensei que era o Poeta preludiando a Dama de preto.

Lhe remeto esse ajuntamento
Seco de sentimento
embebido de café.

                                                                ps:alguém morreu em um dos quartos talvez ela tenha errado de porta.

D.







domingo, 5 de junho de 2011

A d.,

Por aqui as coisas vão bem sem você. Apago as luzes como me recomendaste e não gosto. Maria da penha também não enfrenta sem receio o seus próprios passos. Imagines tu, a falta que ela me faz. Minha avó e as escolhas que a deprimem.

Até quando ficas aí? As pessoas perguntam e já não sei mais o que falar, pior que a inveja da gêmea malsucedida. Se puderes, traz-me um bom fado português momerizado, como bem fazes.

Acordei tarde hoje, amigo, e meu primeiro cigarro do dia foi à noite. Não te preocupes, eu mesmo faço isso.

Minhas mãos ainda estão ásperas, mas minha testa está menos enrugada. Ando rindo pouco.

Beijos amargos de café,
J.